sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O centenário de "Seu" Argemiro



O centenário de “Seu” Argemiro




O “Seu” Argemiro, um velhinho descendente de italianos, muito branquinho, quase transparente e com olhos azuis da cor do céu estava completando 100 anos no dia 25 de dezembro de 2007.
Como todo bom descendente de italianos, era muito religioso e achava que fazer aniversário nessa data era uma verdadeira benção.
Filho mais velho de uma família muito pobre, passara parte de sua juventude como seminarista, para que pudesse estudar, e outra parte trabalhando como jornaleiro para sustentar a família, após a morte de seu pai.
Os anos lhe roubaram o vigor, mas lhe trouxeram sapiência e serenidade.
A família, que no dia 25 de dezembro estava sempre envolvida nas festividades do Natal, nunca tinha feito sequer uma festa só para ele. Quando muito cantavam um parabéns muito sem graça no almoço de Natal.
Esse ano planejaram fazer tudo diferente, pois estariam comemorando o centenário de “Seu” Argemiro.
Como Argemiro acordava bem cedo, lá pelas 6h, decidiram acompanhá-lo em um passeio pelo calçadão da praia com direito à paradinha para água de côco.
Acostumado com o esquecimento da sua data natalícia, não estranhou ou recusou que o acompanhassem, afinal, se ficasse em casa talvez atrapalhasse os preparativos da festa.
Na hora do almoço levaram-no para um restaurante superagradável, coisa que “Seu” Argemiro estranhou, mas não contestou.
O almoço parecia não terminar nunca, pois como o restaurante ficava perto da casa de “Seu” Argemiro, cada hora aparecia um parente diferente que se sentava à mesa, almoçava, conversava e ia embora, apenas ele e a filha pareciam não ir embora nunca.
Argemiro já estava cansado de ficar fora de casa, mas tiveram a infeliz idéia de levá-lo à missa, mas nem assim contestou.
Ao final da missa resolveram levá-lo para casa.
“Seu” Argemiro, como de costume, abriu a porta bem devagarzinho, deu um passo na penumbra de sua sala, acendeu a luz e ouviu os primeiros acordes de um estrondoso “parabéns pra você”.
No quintal os netos estouraram fogos.
Argemiro, que não esperava nada daquilo, arregalou os olhos azuis, levou as duas mãos para o peito e caiu durinho no chão.
Entre os muitos parentes de “Seu” Argemiro que estavam presentes, havia um médico que não demorou em correr em sua direção, porém já era tarde. O misto de susto e de emoção forte demais para seu coraçãozinho centenário.
Foi a primeira e a última festa de aniversário de “Seu” Argemiro.
Eu, que estava entre os muitos convidados da festa surpresa, fiquei como os outros: sem ação. Não queria ficar, mas também não sabia se deveria ir embora.
O que começou em festa acabou em velório. Que eu logicamente não fui porque prefiro lembrar de “Seu” Argemiro caminhando lentamente até à padaria bem de manhãzinha para comprar pão.
Porém, uma pergunta persegue até hoje cada uma das quase 50 pessoas convidadas para a festa: Será que se a festa não tivesse sido realizada “Seu” Argemiro poderia estar até hoje entre nós?

4 comentários:

  1. Bom dia!! BELO CONTO1 Você tem talento!! Eu acho que foi a emoção que matou o Seu Argemiro.
    Beijos,
    Carla

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  2. Óda óda óda Tequinha
    vc é Linda!.............
    ................Ahhh,
    a escritora aqui é vc :) BJS

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