segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A proporção


Marcolino era homem simples, de interiorzão mesmo, mas como a vida no campo ficou cada vez mais difícil, mudou-se para a cidade, na tentativa de melhorar de vida.
Acontece que a situação na cidade não era muito melhor do que no campo, ainda mais para uma pessoa sem estudo e sem experiência como ele, que tinha passado a sua vida toda num sítio que acabou perdendo para as dívidas do banco.
Morando de favor na casa de um amigo e sem ter mais a quem recorrer, Marcolino pega seus últimos centavos, compra um tacho e decide fazer o doce de goiaba que ele costumava ajudar a sua mãe a fazer.
Depois de pronto, Marcolino sai de porta em porta oferendo seu quitute que acabou "caindo no gosto do povo" que a cada dia queria mais.
Marcolino não dava conta de produzir doce para atender todo mundo e a goiaba na cidade não dava em árvores como no sítio, precisava ser comprada.
Marcolino nunca teve esse problema no sítio, pois quando não tinha goiaba, não se fazia doce, mas agora o doce era fonte da sua existência e precisava fazê-lo, estando ou não na época.
A goiaba foi ficando cara e Marcolino só viu uma maneira de continuar com a produção: Utilizar o velho truque de sua saudosa mãe de misturar abóbora no doce para ele render mais.
Certo dia, Dona Cecília reclamou com o rapaz:
- Marcolino, fala a verdade, você misturou abóbora nesse doce.
Marcolino sem graça por ser pego na sua trapaça, mas não querendo perder a cliente falou:
- Não, Dona Cecília, eu não coloquei abóbora no doce.
Dona Cecília insiste:
- Tem abóbora nesse doce, Marcolino!
Marcolino vexado, resolve confessar:
- Dona Cecília, a goiaba ficou muito cara, saiu da safra e tive que misturar a abóbora para manter o preço e a produção.
Com pena do rapaz, Dona Cecília argumenta:
- Meu filho, eu até entendo a sua dificuldade, mas tem que manter a proporção.
- Mas eu fiz isso!
- E qual foi a proporção?
- Eu fiz um por um!
- Como assim?
- Uma abóbora para uma goiaba!


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

João valentão




João Manuel de Bezerra e Silva nasceu numa comunidade pobre e abandonada do Rio de Janeiro.
Nasceu pobre, negro e ganhou um nome horrível que seu pai lhe deu.
Aliás, pai que ele cresceu vendo beber e bater na sua mãe, e depois nele também, até que a sua mãe entrou para uma igreja evangélica e tentar converter seu pai, que acabou saindo de casa.
João era franzino, motivo de piada no colégio. Acabou ficando meio gago, coitado...
No colégio apanhava muito dos colegas - ainda não existia essa coisa de bullying - mas não reclamava, pois sabia que sua mãe trabalhava muito e chegava em casa cansada.
Sempre ia aos cultos com sua mãe, mas até lá, onde deveria estar entre os iguais era discriminado.
João não era filho único. Tinha três irmãs mais velhas que a mãe fazia questão de dizer que ele tinha de proteger porque "era o homenzinho da casa".
João não conseguia nem proteger a si mesmo!
Na igreja conheceu Maria do Carmo e com ela se casou.
Aos vinte e quatro anos, João estava casado e, aos vinte e cinco, nasceu sua primeira filha.
João tinha o atual ensino médio e trabalhava de muitas coisas: motorista, carregador, ajudante de pedreiro, qualquer coisa para sustentar a mulher - que engravidou antes de "terminar os estudos" - e a filha.
Mas João desenvolveu uma característica única: virou valentão apesar de meio gago, negro, razoavelmente baixo, meio vesgo e gordinho.
Acabou desempegado no dia em que a esposa descobriu ter engravidado novamente.
Aproveitou o plano de saúde para fazer o ultrassom e não contou para a mulher que estava "descoberto".
Como "desgraça" nunca vem sozinha, a mulher estava grávida de gêmeos! - não que gravidez seja uma desgraça, só que não era o momento.
João se desesperou, procurou emprego e aceitou o que tinha - pelo menos mantinha o plano de saúde.
João era motorista, a esposa não arrumava emprego por causa da baixa qualificação e os filhos - embora a mãe religiosa estivesse designada a "tomar conta" - emprego jamais.
A esposa resolveu fazer um curso no Senac.
João, embora não pudesse, pagou...
Mas o emprego que "arrumou" antes dos gêmeos nascerem estava cobrando "especialidades"  e João tinha.
A esposa fez o curso e espalhou currículos que fizeram ela a trabalhar em telemarketing, mas "tá tudo bem", estava aumentando o orçamento.
O grande problema surgiu quando viu que na empresa que trabalhava não poderia subir sem qualificação.
Resolveu fazer um curso, a empresa ajudou a pagar, embora o encarregado tivesse dito que esse tipo de cargo era terceirizado.
As coisas começaram mal, embora tenham aceitado o seu cartão de crédito, não tinha turma.
Logo na primeira aula, João se sentiu deslocado, viu que não ia se enturmar.
Quando os grupos ainda estavam se formando, ocorreu a primeira das várias confusões em que ele se envolveu.
João se desentendeu com um aluno mais novo que o chamou para acabar a briga fora das instalações do curso e, é claro que ele não foi.
João, como em todos os lugares que frequentava,  conseguiu desagradar todos na turma!
Mesmo quem não teve problemas com ele, não se aproximava, por medo.
João só "arrumava briga"  com os homens da turma, mas a coisa já estava aborrecendo a todos e uma mulher da turma resolveu encará-lo.
A coisa ficou realmente feia porque ele ameaçou bater nela.
Bem, a turma já tinha excluído ele, mas ele despertou a fúria de uma pessoa que vinha se mantendo "discreta": Maria Rita Maia Resende.
Maria Rita era uma espanhola, viúva de um  policial e que conhecia bem os desmandos de um homem sem controle. 
Como "todo oprimido é um opressor em potencial", Maria Rita passou a ser a "protetora" da jovem - uma vez que os pais não acreditaram na versão dela.
"Todo oprimido é um repressor em potencial".
Maria Rita era filha de pais repressores, aliás, foi por isso que resolveu apoiar a menina que tinha idade para ser sua filha.
Maria Rita provocou João, que, por incrível que pareça, evitava o confronto. 
Tudo tem um limite e ela sabia levar uma pessoa a esse limite.
Um dia João resolveu responder bem mais timidamente do que fez com a garota mais nova, parecia temer o conflito, e, com razão.
Maria Rita foi até a direção do curso e, quando viu desinteresse sobre o caso, ameaçou ir até a delegacia mais próxima dizendo se sentir ameaçada.
Ameaçada?  Maria Rita?
A direção do curso fez João se dobrar e admitir que a sua atitude estava errada e que aquele não era local para "enfrentamentos".
Até o final do curso João se conteve, mas tudo que ele queria era matar Maria Rita!
Conclusão: Não há nada que um homem possa fazer, que uma mulher não possa fazer duas vezes pior.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Lixo







A questão do lixo deixou de ser problema político-ambiental e já se tornou um problema social.
Em nosso país, não observamos uma cultura de reciclagem ou reaproveitamento de alimentos.
Algumas iniciativas privadas tentam mobilizar a população para a questão, entretanto ainda são muito tímidas para serem consideradas efetivas.
Moramos em um país de dimensões continental e, talvez por isso, ainda não sentimos o impacto desse problema, mas a explosão demográfica fará com que em breve tenhamos que tomar atitudes enérgicas sobre o assunto.
Recentemente na Comunidade do Bumba tivemos uma demonstração de como a união entre a falta de políticas ambientais, explosão demográfica unidas com a política eleitoreira e a falta de uma política social podem causar sérios danos à sociedade e ao meio ambiente.
Esse é um tema que pode ser abordado sob diversos prismas e um deles é o desperdício.
Segundo a ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), cada brasileiro produz 378 quilos de lixo por ano!
O consumo consciente não é uma prática adotada pela grande maioria das pessoas no Brasil.
Basta uma breve visita ao CEASA para perceber que o descuido no manuseio dos alimentos causa um enorme desperdício. Em poucos minutos de funcionamento o chão fica repleto de alimentos que, se manuseados de forma correta e consciente, poderiam estar abastecendo casas e estabelecimentos comerciais.
Segundo pesquisa do Centro de Agroindústria de Alimentos da Embrapa, 30% de todo o desperdício de comida no país ocorre  nos Centros de Abastecimentos – CEASA.
A produção de meses pode se tornar lixo em apenas um dia de trabalho e poderia alimentar centenas de famílias.
O banco de alimentos do CEASA-RJ é central de arrecadação, processamento e distribuição de alimentos que não estão em condições ideais de comercialização, mas que estão em perfeitas condições para consumo. Entretanto, a solução está longe de ser a ideal, pois em uma central das proporções do CEASA-RJ, apenas 80 instituições estão cadastradas.
Basta ficar minutos caminhando pelo local para perceber que o descaso com o manuseio dos alimentos é cultural. Já virou hábito limpar os produtos e jogar fora a parte estragada ou amassada, como se o custo da produção do alimento fosse zero!
Quando nada atrapalha o andamento da cadeia de suprimentos, não se sente a proporção desse desperdício e tudo que “não está próprio para a comercialização” vira lixo.
E para onde vai o que não é aproveitado nessas centrais de abastecimento?
Atualmente todo o resíduo produzido vai para aterros sanitários ou lixões.
Imaginem 80 toneladas de resíduos sólidos sendo despejado diariamente em um aterro sanitário...
Estudos mostram que parte do resíduo pode ser transformado em energia e parte pode virar adubo, mas é muito estudo para pouca vontade política, afinal, todos os dias “sobram” 80 toneladas para serem desperdiçadas enquanto centenas de famílias passam fome em nosso estado.
O lixo da maneira que é processado hoje se transforma em um grande custo social, pois além do desperdício residual, temos o desperdício da área necessária para o “despejo” desse material.
O que ocorre nas dependências do CEASA é apenas uma versão ampliada do que ocorre nas residências ao longo dos dias, pois segundo pesquisas, uma pessoa produz em média um quilo de lixo por dia.
Imaginem que a coleta de lixo fosse suspensa. Em apenas um mês o lixo produzido em uma casa com três pessoas seria desesperador.
Também pouco adianta fazer a separação do material orgânico e inorgânico se não há coleta seletiva e tudo acaba “misturado” no caminhão compactador. Todo material que é lavado e separado acaba ficando contaminado, pois entra em contato com os demais materiais recolhidos.
Então a solução é a diminuição dos resíduos orgânicos.
Muita gente não sabe, mas todo material orgânico pode virar adubo, seja batendo as cascas de legumes e frutas no liquidificador ou colocando os resíduos nos canteiros e jardins – cavando-se uma vala e cobrindo com a terra que foi retirada.
Os resíduos também podem ser colocados numa garrafa pet com areia, alternando a colocação de resíduos e areia, até chegar ao topo. Tampa-se a garrafa e depois de 2 meses tem-se terra adubada para vasos de plantas.
Só essa medida já diminuiria em 50% de todo lixo produzido.
Muita gente não sabe, mas, um simples algodão usado para limpar as unhas com acetona, não deveria ser descartado no lixo comum, pois comprometeria tudo que estiver dentro dele.
Outra medida muito simples é entrar em contato com ONGs que fazem a coleta seletiva para que as mesmas coloquem latas de reciclagem em seu condomínio ou que fazem coletas nas ruas.
Quanto mais pessoas tomarem essas medidas, mais o meio ambiente agradece.


                                                      

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

"Porque o perdão também cansa de perdoar"



Angelina nunca fora a preferida de sua mãe.
Primogênita de uma família cinco filhos, Angelina fazia de conta que era feliz, apesar dos pesares.
As mágoas acumulavam, mas não havia o que fazer.
Certa vez, a família fez um passeio por uma feira de artesanato e Angelina se apaixonou por casal de Pierrôs em porcelana, mas não tinha dinheiro suficiente para comprar. Angelina "namorou" os bonecos, contou seu dinheiro mais de dez vezes e chamou a mãe e explicou a situação. A mãe olhou os bonecos, pediu dinheiro ao pai de Angelina e comprou.
Ao chegar em casa, a mãe de Angelina pendurou os dois bonecos na parede de seu quarto como um troféu e isso deixou a menina magoada.
A menina cresceu assim: Sempre ouvindo que a sua inteligência era na média, que era uma aluna mediana, que não era boa em nada e que este ou aquele irmão era melhor que ela em alguma coisa.
Talvez por isso tenha casado cedo, para fugir de onde não era desejada.
Com o casamento, sua relação com sua família ficou mais complicada ainda, uma vez que sempre preferiu morar relativamente longe, porém, sempre que se encontravam, Angelina percebia que nem a saudade fazia com que fosse tratada melhor por sua mãe.
Os irmãos de Angelina foram se casando e se mudando, exceto o irmão mais novo, que preferiu ficar solteiro.
Como todos os outros irmãos mudaram-se para longe, Angelina se sentia um pouco menos desvalorizada na casa de sua mãe e, pensou que tudo poderia ser diferente dessa vez.
Apesar de tudo, a mãe de Angelina continuava a fazer diferença entre ela e o irmão, mas ela se conformava, pensando que era justo, já que ele morava com a mãe.
Não se sabe se foi "cafezinho temperado", "macumba da braba" ou por idiotice aguda, mas do nada, seu irmão resolve se casar com um mulher que mal conhece e conta uma história triste para todos sobre a moça e a mãe de Angelina mais uma vez apóia seu filho, apesar dos protestos da moça - que a essa altura nem era mais tão jovem assim.
Tudo mudou novamente e Angelina percebeu isso quando foi na casa da mãe e abriu a caixa com os dois brincos que a mãe disse que tinha comprado para ela e só havia um. A mãe disse que se enganou em falar que eram dois.
A mãe ofereceu inclusive a joia de família que foi usada e dada para Angelina no dia do seu casamento - isso sem consultar a filha que, lógico não queria emprestar e se sentiu ofendida da mãe ter oferecido algo que era seu sem lhe consultar.
Na semana do casamento, o mesmo e curioso fato dos bonecos de porcelana aconteceu, mas com outro objeto, claro.
Angelina percebeu que, não adiantava o que fizesse, não importava quem, mas sempre a sua mãe ia dar preferência a outra pessoa que não fosse ela e decidiu que era hora de parar de lutar contra o inevitável e deixar sua mãe com "seus preferidos".
Algumas vezes não adianta remar contra a maré...
Angelina seguiu sua vida sem olhar para trás e sem remorso, afinal, sempre que precisou da mãe ela tinha algo mais importante para fazer ou para pagar e não podia ajudar, enquanto dava presentes caros para seu irmão e cunhada porque eles eram bons para ela...
Era o fim da linha para ela, não ia mais se humilhar por mais nenhuma migalha que viesse de sua mãe.
Inconformada, pois queria manter as aparências para a recém chegada à família, a mãe de Angelina tentou de tudo: chantagem emocional, tentou obrigar Angelina, compra a moça, só não tentou dar amor e compreensão e Angelina não voltou atrás.
Angelina queria apenas ser amada de forma igual em sua família, mas isso nunca aconteceu. Apesar de se sentir triste, era a sua realidade e não podia mudar isso. Não se pode exigir amor de ninguém...



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