sábado, 21 de março de 2009

O enterro do demônio

Em tempos de crise, o artigo que mais se vende é a fé e, como o Brasil é um país que nasceu em crise, podemos dizer que o produto mais próspero da nossa sociedade é a religiosidade.
A coisa tornou-se competitiva e, como todo negócio, tem que se desenvolver produtos novos para atrair mais compradores.
Oferecer curas milagrosas já não é mais novidade e não atrai mais tantos expectadores. É preciso inovar e transformar as reuniões, que outrora eram semanais e hoje são diárias, em verdadeiros espetáculos.
Nessa tentativa de atrair mais e mais fieis, algumas igrejas acabam exagerando, e muito.
Algumas táticas já foram tão usadas que não desapertam mais nenhum interesse nos “fieis”. Uma delas é associar atrizes e atores famosos à práticas demoníacas.
Como as reuniões passaram a serem diárias, algumas igrejas passaram a usar as casas dos “fiéis” para fazer “reuniões especiais”.
Essas “reuniões especiais” servem para divulgar a igreja no local, atrair novos seguidos, pois todos são convidados a participar.
Bem, essa é a visão deles, pois, para mim essas reuniões servem para trazer um monte de gente desconhecida para o local, fazer um barulho insuportável, pois eles trazem todo aparato da igreja (som, instrumentos musicais e etc) e para me indispor com o vizinho quando ele perceber que EU NÃO FUI NA REUNIÃO.
Eu moro num local muito silencioso e, quando essas reuniões acontecem, parece que é na minha casa. Isso me deixa profundamente irritada, pois se EU quisesse ir a uma igreja, ia com minhas próprias pernas, não precisam trazer a igreja para minha casa!
Numa quinta-feira, eu recebi um convite para uma certa vigília que ia acontecer no final da minha rua.
Já às 5 da tarde, os “vigilantes” começaram a chegar fazendo todo barulho que era possível!
Quando faltava 1 hora para começar, um carro com um caixão passou pela minha rua.
Logo de imediato eu estranhei, pois se fosse um enterro, viria um carro da funerária, não um carro velho com um caixão dentro e com o porta malas aberto.
Fiquei observando para ver onde o carro ia parar e fiquei surpresa quando vi que estavam “despachando” o caixão na casa onde estava ocorrendo a vigília.
Eu pensava que a vigília seria um local onde um religioso falaria algumas palavras de seu livro sagrado, enquanto os “fiéis” começariam a orar, mas nem me passava pela cabeça a função daquele caixão naquele local.
Passei a noite inteira acompanhando o movimento da tal noite de vigília. Não que fosse uma coisa voluntária, mas é que eu tenho a impressão que os vigilantes tinha tamancos nas mãos para baterem palmas, pois faziam um barulho que incomodava o condomínio inteiro!
De manhã a ladainha continua e era uma sexta-feira, dia de trabalho, mas alguns fiem não arredaram pé.
Quando deu meio dia, a cantoria parecia ter ficado mais intensa e sai na rua para verificar e fiquei abismada com a cena que presenciei:
Quatro homens carregavam o tal caixão, outros traziam enxadas, enquanto um outro ia falando alto que o inimigo estava derrotado e algumas mulheres gritando amém, amém.
Fiquei observando para ver aonde iam aqueles alucinados com caixão e enxadas em punho.
Para minha surpresa, eles caminharam para um terreno vazio atrás da minha casa.
Como a minha casa estava sem muros na época, resolvi perguntar o que estava acontecendo.
Quando cheguei, alguns homens já estavam cavando. Interrompi para perguntar e a resposta não me agradou nadinha:
Segundo a minha vizinha, naquele caixão se encontrava o demônio e eles passaram a noite inteira de vigília.
A coisa por si só já era estranha, pois passar a noite inteira vigiando e rezando para um caixão vazio, atribuindo que o demônio estava lá dentro já dava uns 10 anos de internação, mas ouvi a história inteira com muita atenção, como se fosse sério.
Depois ela me informou que eles estavam enterrando o dito cujo nos fundos da minha casa.
Nessa hora eu estrilei! Eu não participei fisicamente da tal vigília, mas tive que aturar a cantoria, as palmas, o alvoroço, a movimentação, a reclamação dos outros vizinhos, os cachorros do condomínio latindo a noite inteira e agora eles queriam enterram aquela coisa atrás da minha casa?
Na mesma hora eu gritei que NÃO! Que eu não ia permitir tal absurdo!
Não que eu acreditasse que dentro daquele caixão pudesse ter mais do que a imaginação daqueles loucos, mas aquele objeto tinha passado a noite recebendo as orações e as energias negativas daquela gente e agora iam ser enterradas atrás da minha casa? De jeito nenhum!
Lancei mão de meu celular e ameacei a ligar para a polícia e informar o que está acontecendo.
Foi quando a minha vizinha tentou me tranqüilizar dizendo que era uma coisa simbólica e que logo um “irmão” viria tirar o caixão para a reunião da próxima semana.
Espera ai! Quer dizer que eles passam a noite inteira fingindo que tem um demônio num caixão, oram, enterram e depois desenterram para aproveitar o caixão para a próxima semana?
Deve ser por isso que o demônio voltava. Ele era enterrado e desenterrado!
Nesse momento eu percebi que a loucura era contagiosa, até eu já estava discutindo a existência de algo naquele caixão.
Eu estava irredutível e, naquele momento, já devia ter uns 50 moradores acompanhando toda movimentação. Isso porque eu sou uma pessoa muito discreta e quando fico irritada falo num tom de voz bem baixo, quase imperceptível.
Quando os “irmãos” viram a confusão formada resolveram enterrar o caixão em outro lugar.
Perambularam daqui e dali, mas não encontraram um morador sequer que quisesse ter como vizinho o dito cujo, nem que fosse por alguns minutos.
Então, resolveram pular essa etapa e encaminhar o caixão direto para a igreja, onde deveria ficar guardado até a próxima vigília.
Coincidência ou não, nunca mais fizeram a tal reunião dentro do meu condomínio.
Certo, certo é que aqui eles não conseguiam lugar para dar a última morada ao tinhoso.

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